quinta-feira, 11 de outubro de 2012

FÉLIX RONDON ADUGOENAU, QUEM É ESSE?

QUEM É FÉLIX RONDON ADUGOENAU

Mas, afinal das contas quem é esse Félix do Povo Bororo que já está aqui em Cuiabá há algum tempo e não o conhecemos direito?
Uns acharam que é um oriental, outros que fosse boliviano, outros que fosse de um povo indígena perdido e já sem identificação. Ainda que fosse um indígena da America Latina, menos do Brasil. Outros não pararam para perguntar.

Depoimento de Félix:
ADUGOENAU é o meu nome original conforme as leis clânicas do meu povo.
FÉLIX RONDON é o nome utilizado para transitar no mundo não indígena.
Pertenço ao povo indígena reconhecido oficialmente pela FUNAI com o nome de BORORO, autodenominação BOE, metade matrilinear exogâmica "Ecerae"  - Filhos, situado ao norte da aldeia Bororo, clã "Badojeba" (clã dos chefes tradicionamente e milenar), subclã "Badojeba Cebegiwu" (subclã dos chefes de baixo).
O nome Adugoenau é grafado corretamente: "ADUGO" "ENAW". Erro de escrita do cartório onde fui registrado com certidão civil. Adugo é um dos piores espíritos conhecidos e concebido pelos Povo Bororo, responsável pelas mortes. Para o Bororo há duas mortes: morte física e morte espiritual. A pior delas, a morte espiritual. O nome Adugo não é para homenagear o espírito causador da morte, mas em desafio, enfrentamento e sincronicamente contrapondo-o. Mostrando a ousadia do Povo Bororo querer existir na condição de povo.
Outro nome que sou reconhecido dentro do Povo Bororo é "ARUA KUDU" que traz o significado 'Chefe que Ordena'.
Badojeba é o clã dos chefes milenares cultural do Povo Bororo do qual descendo e venho de uma linhagem antiga de chefes Bororo. Imuga (minha mãe) veio desse clã. E como a organização social Bororo é matriarcal, também pertenço a este clã. Iogwa (meu pai) foi chefe Bororo na condição de cacique, seu nome de origem Cibae Ewororo e nome de transitação no mundo não indígena, Lourenço Rondon. Iogwa pega (meu avô) foi chefe, seu nome de origem, Aige Kuguri, nome de transitação no mundo não indígena, Eugênio, os mais respeitados e reconhecidos da época deles. Os dois lutaram juntos pelo território de Meruri, atual Reserva Indígena de Meruri, município de General Carneiro - MT, fizeram aliança com outros chefes Bororo para proteção de todos os territórios do Povo Bororo. As terras da reserva de Meruri tem sido misturada com o sangue de meu pai, na ocasião em que jagunços e pistoleiros mataram o Pe. Rodolfo Lukenbein de nacionalidade alemã. 
Não tenho a ousadia de ser um chefe Bororo. Não o sou, mas a posição que ocupo na intrínseca organização social do Povo Bororo mais a participação nos rituais sagrados, a educação recebida dentro da filosofia Bororo, inserção no ciclo da adolescencia e posteriormente adulto na forma tradicional e milenar me dão esse atributo e magnânima responsabilidade de sempre cuidar dos outros (do Povo Bororo). Não é vaidade pessoal, conforme o pensamento filosófico na educação Bororo, chega a ser até uma obrigatoriedade, olhar os mais necessitados e os mais fracos e sofrer com eles. Lutar junto com eles, não para eles. Vou morrer assim. A condição de vir de um clã de chefes faz com que o meu comportamento seja diferente dos demais. Nas minhas andanças nas aldeias Bororo, fui doutrinado por vários mestres. O último deles foi um "Pao pega" (Pai de Todos) da Aldeia Córrego Grande, conhecida também com o nome "Korogedo Paru" (Barra do rio dos Koroge) (seguno os anciões e anciãs Bororo, Koroge é um povo que já não existe, outrora, inimigo do Povo Bororo). Não podemos falar o nome de quem já faleceu, mas a ocasião faz com que fique registrado e para dar legitimidade do estou falando, seu nome de origem é Metia Adugo, nome de transitação, Valentim, pai do atual diretor da Escola Korogedo Paru, Bruno Tavie. Tavie quer dizer Gaivota. Na cultura Bororo o Bruno Tavie me chama de "iogwa" que quer dizer meu pai, em respeito ao seu próprio pai, "Metia Adugo" que é do mesmo clã e subclã que eu.
A educação recebida conforme os valores do Povo Bororo tem sempre me direcionado que, qualquer ato, circunstância, decisão é passado automaticamente para o pensar Bororo, pelo crivo dos valores e envergadura dos "Boe Eimejerage" (Chefes Bororo). As decisões são tomadas primeiramente no âmbito do pensamento Bororo com rápidas perguntas:
- Irei praticar o bem para o equilíbrio? 
- Estarei em paz com o universo? 
- Irei ajudar meu companheiro (a)? 
- Não irei prejudicar meu companheiro (a)?
Tenho medo e tenho ódio. Fui doutrinado para odiar o não Bororo, principalmente o "barae" - homem de pele branca e o "tabae" - homem de pele negra. Todo homem tem no seu coração o medo, mas meus avós me ensinaram a esconder o meu medo. Meus avós ensinaram-me que antes eu deveria aprender a ter medo e depois falaram-me que era necessário depois de ter medo saber me defender. O medo seria um impulso para melhor defesa. Nos tempos atuais sinto o medo, o pavor de fazer coisas erradas, estando longe de casa e por muito tempo. As inquietações me acompanham aonde quer que eu vá sempre à procura do equilíbrio e logo da paz com o mundo dos meus antepassados, fazendo o que tem que ser feito para atender não a mim, mas aqueles que um dia deixei para trás e que anseiam por uma sombra sutil e rápida do meu corpo, um sussuro, um leve tocar de meus dedos em algo áspero para alivar-lhes de um tristeza, de um pensamento reprimido de que coisas melhores virão. Há muitas coisas a fazer e tenho a plena consciência de que morrerei sem ver os resultados de algumas ações que agora tomam um novo direcionamento. Sinto a tristeza de pensar que somos um povo em decadência. Já não temos o nosso vasto território para reprodução física e cultural. Em todas as aldeias do Povo Bororo ouço essa lamentação.
Atualmente ocupo o cargo de coordenador na Coordenadoria de Educação Escolar Indígena - CEI, um setor da Secretaria de Estado de Educação - SEDUC-MT, função que traz outras grandes responsabilidades. Antes eu trabalhava na função de Técnico de Desenvolvimento Econômico e Social - TDES na SEDUC, Cuiabá - MT. E sei perfeitamente que a dialogicidade deverá permear em todas as negociações e encaminhamentos de um política para o segmento indígena.
Não quero mudar o mundo, não ouço mudar a governo. O fato de que eu mudei é o que importa, redirecionando-me atento para novas mudanças. Devemos mudar-nos interiormente, ou seremos eternos descontentes, achando que o futuro está lá adiante e que basta estalarmos um dedo que este futuro virá. Pelo contrário, nós é que devemos ir à luta primeiramente, com olhos voltados para as problemáticas. Somente assim teremos condições de avaliá-las e procurar um meio de resolvê-las, contorná-las ou achar uma resposta adequada.

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